Lembro de infinitos anos atrás eu ser um assíduo leitor da revista Dragão Brasil. Não sei por qual motivo eu costumava ler a publicação, já que ela era sobre RPGs e na época eu não tinha absolutamente ninguém para jogar comigo. Não tinha internet naquela época então nem online dava pra jogar: se eu quisesse jogar RPG e passar por todas as experiências que lia na revista, eu tinha que achar pelo menos mais uns três nerds dispostos em Itapeva - SP em 1996. Ou seja, uma missão impossível para outra criança esquisita que não conseguia se comunicar direito, morando em uma cidade onde se é apelidado com o nome de um anime só por usar uma camiseta dele.
Mas eu queria muito jogar RPG. Eu lia todas aquelas revistas com relatos das aventuras de outras pessoas, ideias de cenários e histórias prontas, regras e classes complementares, reclamações e elogios sobre sistemas que jamais jogaria. Comprava inclusive livros de regras e suplementos, absorvendo todas as informações que existiam neles, imaginando todas as possibilidades e invenções que poderiam sair dali, ou personagens que eu poderia criar. De certa forma, sem saber, eu já estava jogando RPG sozinho durante aquelas leituras e vislumbres do que poderia ser minha adolescência se eu nascesse uns vinte anos mais tarde (onde aparentemente quem sofre bullying devem ser as crianças que gostam de futebol, já que gostar de anime e videogames é praticamente obrigatório para a molecada hoje).
Muitos anos depois eu joguei RPG, tanto online quanto na vida real, entretanto a experiência jamais chegou no nível da minha imaginação inicial. Jogar pra valer é muito divertido, porém as infinitas possibilidades são exponenciais no meio da criatividade e expectativa dos vários jogadores, conflitando com o planejamento do mestre, que jamais consegue planejar concisamente para todas as mínimas mudanças que acabam acontecendo, enquanto todos procuram essa tal liberdade total para agirem como bem entendem. Não tem nada de errado com isso, essa caoticidade faz parte do jogo, e é muito agradável, mas não se equipara com a conexão e fluidez de uma só pessoa ligando na sua cabeça todos os inúmeros caminhos e finais.
Talvez seja por isso que Baldur’s Gate 3 seja tão impressionante. O jogo faz parecer como se você tivesse invadido uma dessas divagações adolescentes, onde tudo se conecta em uma gostosa forma desastrosa, no meio de possibilidades que parecem quase infinitas, mas ainda assim limitadas dentro de um plano que foi feito por uma pessoa só. É como se você estivesse lendo um cenário pronto da revista Dragão Brasil, imaginando todas as ramificações e complicações que poderiam sair dali. Tudo é feito de forma que você tenha liberdade suficiente para fazer diversas loucuras, e ficar abismado com as repercussões tanto das loucuras que você toma quanto das decisões que achava serem sensatas, mas sem dar espaço para absurdos externos a esse sonho de uma pessoa só.
Por exemplo: uma vez, em uma das aventuras que eu mestrei no dislu.do, os personagens decidiram parar em uma vila e procurar algum vendedor. Não tinha nenhum vendedor por ali (na verdade não estava nem planejado para eles pararem tanto tempo lá), mas acabei criando um comerciante, já que era o que eles queriam fazer. Quando informei que o estoque do vendedor continha variedades de queijos, eles quiseram saber de quais tipos eram os queijos. A partir daí a bola de neve de caos foi só crescendo ladeira abaixo: fizeram anotações como se os nomes que eu inventei fossem tipos importantes de queijo existentes naquele mundo; criaram receitas com esses queijos; pensaram em vender o queijo na taverna que eles eram donos. Tudo isso é muito lindo, e não quer dizer que esse mundo de desvirtude da aventura principal seja pior que Baldur’s Gate 3. O ponto é que se eu tivesse planejado para que esses benditos queijos fossem parte da história todos os jogadores que decidiram virar amantes de queijo se sentiriam muito recompensados no futuro.
Talvez algum lorde reconhecesse o queijo em especial na taverna após ele ser exposto pela equipe e os ajudasse a ganhar a confiança do homem. Ou um contato importante na história fosse um renomado jurado num concurso de queijos da região, e eles deveriam aprender a receita para participar da competição. O problema é que às vezes eles nem estavam esperando esse foco nas delícias lácteas, sendo apenas uma paixão passageira. Ou outros jogadores poderiam achar toda a quest do queijo chata demais por não terem entrado nessa vibe. O planejamento limitado, a falta de tempo e as múltiplas expectativas conflitantes acabam por gerar pequenas frustrações quase tão belas quanto o surgimento desses momentos genuínos. Ideias assim acabarem sem um fim ou propósito me quebra o coração, mas não existe muito que pode ser feito em um grupo de amigos.
Em Baldur’s Gate 3 as coisas acontecem de maneira como se você acreditasse estar tendo a ideia de perguntar o nome dos queijos para um NPC aleatório só pra sacanear o mestre, mas o mestre em questão planejou todos os detalhes para que a história do queijo valesse a pena. O jogador sente como se estivesse saindo do que o jogo espera, apenas para perceber que naquele universo tudo é possível, pois tudo já foi pré-determinado de uma forma assustadora que apenas uma divindade poderia calcular. O esperado era que a liberdade mais delimitada por possibilidades pré-programadas fosse soar muito óbvia, mas a forma detalhista como tudo é apresentado acaba encantando.
Outra coisa que me lembro claramente da Dragão Brasil, era de uma dica recorrente que eles davam: faça seus personagem com falhas. A dica partia do princípio que bonecos com problemas ou dilemas difíceis de se conviver acabam brilhando mais em uma história. Entretanto, conheci poucas pessoas nas histórias de RPG de mesa que realmente criassem situações ou características complicadas para seus personagens. As pessoas costumam colocar um draminha ou outro aqui e ali, mas nada que realmente seja uma bomba relógio na história daquele sujeito. Em BG3 a maioria dos personagens principais são quebrados, sofridos, estranhos, suspeitos, devendo até as cuecas no banco (real ou metaforicamente). E nunca nenhum desses elementos é esfregado na sua cara, são camadas que você como jogador pode ou não explorar, mas elas sempre estão ali, prestes a explodir.
Nada disso apresentado aqui diz que BG3 é melhor do que jogar RPG de mesa. Nenhuma experiência pode ser comparada a outra, o que se ganha de uma forma se perde de outra. Mas a campanha do novo jogo da Larian e suas pequenas aventuras são como se fossem aquelas pequenas histórias que eu mestrava para mim mesmo em minha cabeça quando eu era criança. É um mundo onde tudo pode dar muito certo ou muito errado, mas onde todos esses eventos, de alguma forma, atingem suas maiores expectativas. É lindo demais.
Essa semana também assisti à série animada Fired on Mars da HBO. Eu estava esperando uma comédia meio engraçadinha assim e levei um soco na cara. A série é depressiva, triste, o personagem principal é um lixo completo que só faz bosta, e existem poucos momentos realmente agradáveis de se presenciar. Mas de certa forma funciona.
A série é sobre um cara, Jeff, que vai para uma colônia em Marte, onde todos tem seus trabalhos pré-determinados, para ser o designer gráfico da estação. Ninguém suporta muito ele (e o espectador dá até certa razão conforme os episódios passam), seu trabalho não é tão necessário assim, e ele acaba sendo demitido. Porém todo mundo que vai para Marte não consegue voltar, então ele é obrigado a ficar lá para sempre, convivendo com seu desemprego ou tentando arrumar outra carreira.
Tem uma energia muito Bojack Horseman nos seus momentos mais fundo do poço, com uma trilha sonora bem playlist “melhores músicas para estudar” que deu errado, e não tem um personagem realmente amável sequer. Mas é bem difícil de parar de assistir quanto mais você vai se afundando naquele buraco. A todo momento eu queria que todo mundo saísse daquela circunstância horrível, que todo mundo explodisse, ou que surgisse um raio de felicidade no meio de tudo aquilo. Seja como for, sua atenção é sempre sugada para querer saber como aquela situação pode melhorar (ou piorar).
Recomendo para todo mundo que esteja muito feliz e queira sentir um pouco de angústia, raiva ou conflito interno como forma de entretenimento.
Comecei também a assistir a segunda temporada de Jujutsu Kaisen e, puta merda, vocês já viram o encerramento dessa temporada? Tá vibes demais meus amigos. Saca só:
E é isso por essa semana! Se você ficou com dó do pequeno Hynquinho sem amigos para jogar RPG, não seja hipócrita e deixe seu like, compartilha, comenta, e tudo o mais. Se não consegues me fazer feliz no passado, faça agora!